Por Sandro Roberto Meneses
Há 20 anos, vivi o que considero o maior abismo da minha existência: a perda de um filho. O Arthur, meu pequeno, meu anjo, partiu em um acidente doméstico, enquanto se alimentava em sua cadeirinha. Um momento comum, cotidiano, que virou o mundo do avesso. Desde então, todos os dias que seguiram foram marcados por uma escolha: parar ou dar um passo.
Foi nesse contexto que o livro *Passo do Gigante*, de Kleber Reis, ecoou tão forte dentro de mim. Ele fala sobre coragem, superação, o medo que nos paralisa e a força que nos impulsiona. E ali compreendi que, naquele momento, eu precisava dar o passo. Não havia estrada. Eu mesmo teria que construir.
O maior medo que carrego até hoje é perder outro filho. E a parte mais difícil de tudo isso foi transmitir a perda do Arthur aos seus irmãos, que ainda eram pequenos. Como explicar o inexplicável? Como confortar corações que ainda nem sabiam o que era dor? Mas, ao nosso redor, havia amor. O amor da minha esposa, da nossa família, dos amigos, de todos aqueles que se tornaram a base da nossa reconstrução.
A decisão de doar os órgãos do Arthur foi, talvez, o gesto mais difícil e mais nobre que eu e minha esposa fizemos juntos. Sete crianças receberam uma nova chance de vida graças ao nosso pequeno. A dor, que parecia insuportável, foi suavizada pela esperança que ele levou a outros lares. Isso nos deu sentido em meio ao caos. Nos deu propósito.
Foi assim que nasceu minha palestra chamada *Felicidade*. Porque o último sorriso do Arthur foi comigo. E naquele sorriso havia uma paz inexplicável. Ele me deu força. E ali compreendi: o verdadeiro gigante foi ele. Mas o passo, o primeiro passo, tive que ser eu a dar. Porque ser pai é isso — é ser provedor, escudo, chão e ponte. É, mesmo em pedaços, dar o passo.
E o que é esse gigante que mora dentro de nós? É a fé que não cede, a resiliência que se constrói na dor, a persistência que se ergue nos escombros. É não desistir. Jamais. Porque, por mais que doa — e dói — a vida não nos pede para esquecer, mas para continuar.
Ao longo desses anos, também percebi como essa experiência com o Arthur moldou minha atuação profissional. Trabalho com gestão de risco, treinamento e decisões estratégicas em ambientes corporativos. E, em cada reunião difícil, em cada escolha complexa, em cada cenário de incerteza, lembro da dor que enfrentei — e da força que me guiou. Se fui capaz de suportar o que mais temia na vida, como posso me deixar paralisar por um contrato, uma decisão ou um resultado? A vida nos treina nos bastidores mais profundos. E ali compreendi que o medo não é o inimigo — o medo é apenas um convite à coragem. Coragem não é ausência de medo. Coragem é presença de propósito. E, assim como na vida pessoal, no mundo corporativo também é preciso dar o passo do gigante. Porque a estagnação nasce da dúvida, mas o crescimento nasce da fé e da ação. Cabe a nós, como líderes, pais e educadores, ensinar nossos filhos, nossos netos, nossos liderados, a vencer — com ética, com lealdade e com coragem.
Talvez essa força para resistir à dor também tenha raízes na minha formação. Sou oriundo de forças especiais, formado pelo Batalhão de Choque no ano de 1990. A vida militar me ensinou muito sobre disciplina, estratégia, superação e preparo emocional. Trabalhar sob pressão, tomar decisões rápidas, manter a cabeça erguida mesmo diante da exaustão — tudo isso moldou minha mentalidade. E foi justamente na adversidade que compreendi o verdadeiro sentido da palavra resiliência. A caserna me preparou para combates externos, mas a vida me mostrou que o combate mais difícil é o que travamos por dentro. A perda do Arthur foi esse campo de batalha silencioso — e vencer ali exigiu tudo o que aprendi: honra, resistência e fé.
Hoje, passados vinte anos desde aquele 4 de julho, eu posso dizer que o Arthur continua vivo. Na memória, no legado, nas vidas que ele salvou e na minha caminhada. Eu sigo porque sei que a eternidade existe. E um dia, nos reencontraremos.
Se há algo que desejo com este relato, é tocar aqueles que, por vezes, se entregam diante das pequenas perdas da vida. Que entendam que é possível — ainda que difícil — dar o passo do gigante. Porque a dor ensina. Mas o amor é o que realmente salva.
